Uma perspectiva de justiça mais inclusiva:
aplicação do enfoque dos funcionamentos à saúde, à educação,
à tecnologia e aos direitos de pessoas com deficiências
O objetivo do projeto “Uma perspectiva de justiça mais inclusiva: aplicação do enfoque dos funcionamentos à saúde, à educação, à tecnologia e aos direitos de pessoas com deficiências”, contemplado pelo EDITAL PGPTA n° 59/2014 da CAPES, foi desenvolver os referenciais teóricos e aplicações de uma perspectiva de justiça mais inclusiva, e mais compatível com os ideais de uma concepção moral de igual respeito e consideração a todos os indivíduos que integram as sociedades contemporâneas.
Para a construção da perspectiva proposta, foram analisadas as principais teorias de justiça disponíveis e apresentadas as suas limitações. Na busca por uma caracterização mais ampla dos concernidos pela esfera da justiça, chegamos, assim, à Perspectiva dos Funcionamentos: uma concepção moral e política que adota uma concepção funcional de indivíduo e assume como foco da justiça, a realização dos funcionamentos básicos dos diversos sistemas funcionais, respeitando a singularidade e complexidade dos mesmos.
Com base em uma noção funcional de integridade pessoal, a PdF recusa uma concepção essencialista e fixa de indivíduo, fazendo ruir os limites entre o normal e o patológico, entre um indivíduo e seu entorno, entre pessoas e máquinas. Ao eleger a integridade funcional de um sistema como foco de atribuição de valor moral, a PdF elimina também a possibilidade restringirmos o âmbito da moralidade ao pequeno grupo dos seres que sob o ponto de vista funcional se assemelham a nós. Se pudermos identificar um sistema funcional e os funcionamentos que garantem sua integridade, teremos o compromisso moral de não impedir seu bom desempenho, ou ainda, de promover seu florescimento, independente da conformação física e/ou psíquica do mesmo e de sua capacidade de exercer funcionamentos específicos. Isso significa que embora reconheçamos que para certos indivíduos, ou grupos de indivíduos, o exercício de funcionamentos específicos, tais como racionalidade, liberdade ou senciência possa ser fundamental para sua realização, a posse de tais funcionamentos não justifica uma atribuição de valor moral superior aos mesmos.
Desta forma, a Pdf busca uma nova ordenação das prioridades que não estabeleça hierarquias prévias – baseadas em atributos físicos, sociais ou econômicos. As prioridades admitidas serão aquelas que correspondem aos elementos centrais para que cada indivíduo tenha a chance de viver uma vida plena ou realizada, seja ele racional, livre, senciente ou não. Com isso, a PdF permite estender o escopo da moralidade a todos os seres humanos, a animais não humanos e a outros sistemas funcionais, tais como o meio ambiente e objetos inanimados, estes últimos caracterizados como sistemas acoplados: parte indissociável da totalidade de sistemas que integram nossa própria identidade.
Ao focar em indivíduos existentes, mais especificamente, nos funcionamentos, capacidades, realizações e demandas próprias de cada indivíduo, a PdF não pode pressentir de uma investigação empírica acerca das demandas geradas pelos diversos grupos e/ou indivíduos e o ambiente sociocultural no qual tais demandas são geradas. Neste sentido, a implementação da PdF no âmbito da justiça deve estar pautada em uma investigação empírica das demandas existentes e dos fatos que impedem sua realização. Aqui, apesar de insistirmos na necessidade de estarmos atentos à especificidade das demandas geradas por cada indivíduo, precisamos assumir que, sob o ponto de vista da geração de políticas públicas, a alternativa será identificar demandas compartilhadas e buscar mecanismos que busquem satisfazê-las de modo mais eficaz.
Com este objetivo, o projeto reuniu pesquisadores de diversas áreas que, através do referencial teórico proposto, buscaram identificar demandas e funcionamentos básicos específicos, de grupos frequentemente negligenciados pelas teorias de justiça tradicionais. Neste seminário procuramos sintetizar os principais resultados obtidos por estes pesquisadores. Os trabalhos estão divididos em blocos que abordam os aspectos teóricos da PdF e suas aplicações do âmbito da saúde, educação, das questões de gênero e das questões relativas à ética animal e ambiental.
Despidos da arrogância do saber acadêmico e munidos de uma forma de escuta sensível e apurada, estes pesquisadores buscaram, cada qual a seu modo, contribuir para a implementação de uma concepção de justiça mais inclusiva.